Briga pública entre Itaú e XP joga luz sobre remuneração na indústria de investimento

29 de junho de 2020 | Imprensa

Imagem - Fiduc

O fenômeno do juro real zero tem potencial de trazer, rapidamente, mudanças no modo de investir dos brasileiros. Com a busca por rentabilidade afastando cada vez mais as carteiras dos tradicionais títulos do Tesouro, investidores começam a tatear novos produtos, que chegam, muitas vezes, por indicação de agentes autônomos, gerentes de bancos ou consultores de investimento. Em um mercado que começa agora a amadurecer, uma propaganda veiculada em rede aberta de televisão pelo Itaú Unibanco funcionou como um gatilho para uma discussão já antiga nos bastidores do mercado financeiro, sobre a remuneração daqueles que indicam produtos aos clientes. O debate gira em torno da existência ou não de conflito de interesse. O assunto, agora, tende a alcançar a ponta interessada: os investidores.

A polêmica que colocou XP e seu maior sócio, o Itaú, em direções opostas do ringue acabou dividindo a indústria de investimentos. Não é por menos: a propaganda trouxe críticas aos agentes autônomos, profissionais que são remunerados por comissionamento recebido por cada negócio fechado. Essas taxas, contudo, não são fixas e variam de acordo com os contratos e produtos financeiros. Nos bancos, por sua vez, existe uma remuneração fixa aos gerentes e o lado variável se refere à captação de clientes e ao nível de satisfação deles. Como a propaganda do Itaú levantou um possível conflito de interesse dos agentes na indicação de produtos a clientes, o bombardeio do mercado foi grande, incluindo ameaças de processos judiciais. No Brasil, há cerca de 8 mil agentes autônomos registrados.

No entanto, o fundador e presidente da FIDUC, Pedro Guimarães, aponta que tanto o Itaú quanto a XP utilizam o mesmo modelo de remuneração, o chamado de transacional, que é feito por meio de comissões, ou simplesmente rebates. “O problema não são os agentes autônomos ou os gerentes de banco, mas sim o modelo transacional, que é mais simples e pressupõe a existência de assimetria de informação”, destaca. Na FIDUC, o modelo de remuneração é o fiduciário, em que o cliente paga uma taxa de seu patrimônio, o que, segundo Guimarães, traz alinhamento, à medida que o crescimento do patrimônio, no fim do ano, significa aumento da remuneração. “É esse modelo usado nos family offices, que é onde estão os banqueiros”. A Fiduc faz uma seleção de produtos através de comitês. Como a indústria ainda é predominada pelos rebates, a casa devolve essas comissões, que estão embutidas nos preços, ao patrimônio dos clientes.

Na Warren, plataforma digital de investimento, onde estão 140 mil clientes e que tem como um dos sócios-fundadores o cofundador da XP, Marcelo Maisonnave, o modelo de remuneração é também o fiduciário. “Para nós o bom dessa discussão é que jogou o holofote para o modelo de remuneração. Existe conflito quando tem comissão na venda de produto, que existe tanto na corretora quanto no banco”, afirma o sócio da Warren, Tito Gusmão. “Cobramos 0,5% por ano do cliente e 100% do rebate para ele. Esse é um modelo alinhado”, diz. A polêmica trazida pelo Itaú, segundo Gusmão, é uma chance desse modelo ficar mais conhecido no País.

O rebate muda de produto a produto. Em fundos de investimento, muda – e muito – de gestora para gestora. Em alguns casos, chega a 0,8% da taxa de administração.

Patrick O’Grady, fundador e presidente da gestora Vitreo, afirma que a indústria, após essa discussão, tende a evoluir, com maior centralização nos clientes. Na visão dele, não existe problema na existência do rebate ou no trabalho dos agentes autônomos, mas é possível realizar mudanças que deem mais transparência, de forma que o cliente saiba exatamente o que está pagando. Além disso, é possível acabar com qualquer tipo de conflito de interesse na hora de se distribuir produtos financeiros. “É preciso ter transparência e quem ganha é o consumidor”, afirma.

Na próximo mês, a Vitreo lançará uma plataforma em que oferecerá produtos de terceiros e definiu que devolverá parte do rebate aos clientes. A ideia, segundo O’Grady, é que todos os produtos, no final, tenham o mesmo rebate, de forma que a margem de ganho para a gestora seja a mesma, acabando, assim, com possível conflito.

Para Roberto Lee, presidente e fundador da Avenues, que há alguns anos vendeu a Clear para a XP, o Brasil caminha os moldes dos Estados Unidos, onde existe a figura de um profissional chamado de Registered Investment Advisor, o RIA, que na prática, segundo ele, reúne as profissões de gestor, agente autônomo e consultor de investimento. A remuneração desse profissional, destaca, é combinada entre ele e o cliente. “No Brasil, o que falta é o consultor poder intermediar, com transparência e aliado ao dever fiduciário”, disse. “Antes as cobranças aos clientes eram diluídas no ambiente de juros altos, agora não mais”, conclui.

Nos Estados Unidos, ou mesmo na Inglaterra, o modelo de remuneração desses profissionais vem mudando nas últimas décadas. O dado mais recente da Associação de Consultores de Investimento (Investment Adviser Association) apontou para um crescimento de 3,3%, no último ano, do número desses consultores com remuneração paga diretamente pelos clientes. A estimativa é que hoje 80% da indústria de lá opere através desse modelo. Na Inglaterra, a legislação hoje impede que o distribuidor receba pelo produto comprado pelo cliente.

Recentemente, a XP informou que vai começar a abrir a remuneração que cabe aos agentes autônomos de investimentos na distribuição de fundos de investimentos e de previdência.

Por Fernanda Guimarães, Estadão — São Paulo